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O Brasil na corrida espacial: conheça o pouco ambicioso Programa Espacial Brasileiro

Ao longo de quase sete décadas, o Programa Espacial Brasileiro (PEB) obteve alguns feitos, mas não conseguiu se desenvolver plenamente e ainda teve que lidar com uma tragédia em 2003.

por Geison Souza
O Brasil na corrida espacial: conheça o pouco ambicioso Programa Espacial Brasileiro
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O Programa Espacial Brasileiro, às vezes referido pela sigla PEB, é a iniciativa do governo brasileiro voltada ao desenvolvimento de atividades e tecnologias espaciais. Sob a coordenação da Agência Espacial Brasileira, o programa busca fortalecer a capacidade do Brasil de explorar e utilizar o espaço, promovendo avanços científicos, tecnológicos, econômicos e estratégicos.

O PEB engloba ações em diversas frentes, como o desenvolvimento e lançamento de foguetes e satélites, a cooperação espacial com outros países e organizações internacionais, além de projetos, missões e pesquisas voltadas ao espaço.

Para entender o PEB, é necessário retroceder ao momento em que as atividades espaciais no país começaram a ser organizadas de forma mais estruturada. Isso ocorreu na década de 1960, logo após o início da corrida espacial, uma disputa entre os Estados Unidos e a União Soviética no contexto da Guerra Fria, em que essas duas potências competiam pela hegemonia na exploração do espaço.

A disputa espacial motivou muitos países a desenvolverem seus próprios programas espaciais, e o Brasil não ficou de fora. No início dos anos 60, o então presidente da República, Jânio Quadros, assinou um decreto criando uma comissão de estudos que mais tarde deu origem ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e ao Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).

Em 1965, uma equipe de técnicos brasileiros foi enviada para participar de um treinamento na NASA. Nesse mesmo ano, foi inaugurado o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI). Ainda em 1965, o Brasil estreou o Sonda I, o primeiro foguete desenvolvido nacionalmente, construído pelo GTEPE (atual IAE) em parceria com a empresa brasileira Avibras.

Nos anos seguintes, o Brasil continuou a desenvolver a linha de foguetes Sonda, criando a primeira série nacional de foguetes, a família Sonda, que incluiu mais três modelos: Sonda II, Sonda III e Sonda IV. No entanto, nenhum desses foguetes foi projetado para lançar satélites ao espaço; eles eram foguetes de sondagem usados para lançar cargas úteis ao espaço com o objetivo de realizar experimentos científicos e tecnológicos.

No início da década de 1980, havia uma crescente expansão urbana nos arredores do CLBI, o que acabou impossibilitando a ampliação da base e, com isso, surgiu a necessidade de construir um novo centro de lançamento de foguetes. Em 1983, foi inaugurado o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.

Em fevereiro de 1993, o Brasil lançou seu primeiro satélite, o SCD-1, projetado pelo INPE. Ele foi enviado ao espaço a bordo do foguete americano Pegasus, a partir do Centro Espacial John F. Kennedy, nos Estados Unidos. No ano seguinte, em 1994, foi criada a Agência Espacial Brasileira (AEB).

Projeto VLS

O Veículo Lançador de Satélites (VLS) foi desenvolvido no Brasil e concebido com o objetivo de colocar satélites na órbita da Terra. Entre 1985 e por volta de 2015, o Brasil trabalhou no desenvolvimento de uma versão do foguete VLS-1 que fosse qualificada para voo. Foram trabalhadas quatro versões:

  • VLS-1 V01: O voo inaugural do foguete VLS ocorreu em 1997, com o lançamento do protótipo VLS-1 V01. No entanto, o lançamento foi um fracasso.
  • VLS-1 V02: Em 1999, foi realizada a segunda tentativa de lançamento do VLS-1, dessa vez com uma nova versão identificada como V02. No entanto, o resultado foi novamente um fracasso.
  • VLS-1 V03: A terceira versão do VLS-1, o V03, nem mesmo chegou a voar. Em 22 de agosto de 2003, três dias antes da data prevista para o lançamento, o foguete explodiu, matando 21 profissionais que estavam na plataforma de lançamento da base de Alcântara, no Maranhão.
A tragédia de Alcântara vitimou 21 pessoas que trabalhavam no local no momento do acidente, além de atrasar o Programa Espacial Brasileiro e prejudicar a imagem do projeto VLS.
A tragédia de Alcântara vitimou 21 pessoas que trabalhavam no local no momento do acidente, além de atrasar o Programa Espacial Brasileiro e prejudicar a imagem do projeto VLS.

Após a tragédia de Alcântara, o VLS-1 passou por uma revisão completa em sua versão final, chamada de VLS-1 V04. No entanto, devido à escassez de recursos, falta de interesse político e mudanças de prioridade, o projeto VLS foi oficialmente descontinuado em 2016.

O envio do primeiro brasileiro ao espaço

Em março de 2006, o astronauta Marcos Pontes se tornou o primeiro brasileiro, sul-americano e lusófono a visitar o espaço. Pontes foi enviado a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, partindo do Centro de Lançamento de Baikonur, no Cazaquistão, em companhia do russo Pavel Vinogradov e do estadunidense Jeffrey Williams até a Estação Espacial Internacional (EEI), onde permaneceu por oito dias durante os quais realizou diversos experimentos científicos.

Embora na época tenha sido algo novo para o Brasil, o envio de Marcos Pontes ao espaço foi alvo de críticas. Isso porque o governo brasileiro teve que desembolsar 10 milhões de dólares pela viagem, que não resultou em avanços significativos para a ciência em nosso país.

Além disso, tanto o centro de lançamento quanto a tecnologia que possibilitaram a ida de Marcos Pontes ao espaço não eram nacionais. Em resumo, o Brasil pagou para que outra nação levasse um brasileiro ao espaço.

O astronauta Marcos Pontes foi o primeiro brasileiro a viajar para o espaço.
O astronauta Marcos Pontes foi o primeiro brasileiro a viajar para o espaço.

Acordo Brasil-EUA

Próximo à linha do Equador, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) é bastante conhecido ao redor do mundo por possui uma localização privilegiada. Isso atrai o interesse de muitos países cujos programas espaciais estão mais desenvolvidos; entre eles, está os Estados Unidos (EUA), que é o principal interessado na base.

Em 2000, durante o então governo de Fernando Henrique Cardoso, foi negociado o primeiro acordo que dava permissão para os EUA usar a base de Alcântara para o lançamento de foguetes e satélites. Na época, o acordo foi barrado por congressistas brasileiros, que afirmavam que o texto feria a soberania nacional.

As negociações para alcançar um novo acordo entre Brasil e EUA sobre a base de Alcântara, foram retomadas em 2017, durante o governo do então presidente Michel Temer.

Em 2019, durante a visita oficial do ex-presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, foi assinado o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre Brasil e EUA. Esse acordo permite o uso comercial da base de Alcântara pelos americanos.

Acordo Brasil-Ucrânia

Em 2003, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil fechou uma parceria com a Ucrânia a fim de explorar a base de Alcântara. A parceria entre os dois países tinha como objetivo desenvolver um foguete capaz de lançar satélites em órbita. Para isso, o governo brasileiro investiu 500 milhões de reais no projeto, mas não obteve resultados consideráveis com a iniciativa. Por isso, em 2015, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff, foi anunciado o rompimento do acordo com a Ucrânia.

Em 2009, de acordo com telegramas diplomáticos divulgados pelo site WikiLeaks, o Departamento de Estado dos EUA escreveu a seguinte mensagem para a Embaixada dos EUA em Brasília:

"Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil".

Em outro trecho da mensagem, o Departamento de Estado dos EUA escreveu: "devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil".

Satélite Amazonia-1

O Amazonia-1 é o primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, desenvolvido, testado e operado no Brasil.
O Amazonia-1 é o primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, desenvolvido, testado e operado no Brasil.

Embora o Brasil já tenha desenvolvido outros satélites, o Amazonia-1 é o primeiro satélite de observação da Terra (sensoriamento remoto) totalmente projetado, desenvolvido, testado e operado pelo país. Ele começou a ser desenvolvido pelo INPE em 2009, com o objetivo de reduzir a dependência nacional de imagens de satélites estrangeiros e fornecer dados espaciais essenciais para o monitoramento ambiental e agrícola em todo o território brasileiro, com foco especial na região amazônica.

Após 12 anos em construção, o Amazonia-1 foi lançado ao espaço em 28 de fevereiro de 2021, sendo posicionado em órbita terrestre baixa, a aproximadamente 752 km de distância do nível do mar. O lançamento do satélite foi viabilizado pela contratação de um foguete lançador estrangeiro, a um custo de 20 milhões de reais.

Esse tipo de contratação é uma prática comum para o Brasil, já que, embora o país tenha o domínio tecnológico necessário para a construção de satélites de sensoriamento remoto, não possui um foguete lançador qualificado para enviá-los ao espaço. Por esse motivo, o Amazonia-1 foi lançado em órbita a bordo do foguete indiano Polar Satellite Launch Vehicle (PSLV), que partiu do Centro Espacial de Satish Dhawan, na Índia.

O futuro do PEB está no projeto VLM

Em 2016, junto à decisão de descontinuar o projeto VLS, também veio uma mudança de prioridade por parte do IAE e da AEB, que decidiram focar esforços no desenvolvimento do projeto VLM (Veículo Lançador de Microssatélites). Este projeto está sendo trabalhado em acordo com a Agência Espacial Alemã (DLR, sigla em alemão). O VLM tem sido considerado uma versão simplificada do VLS, sendo projetado com o foco em colocar pequenos satélites em órbita.

Para o Brasil, a principal vantagem do VLM é o baixo custo de produção. Além disso, na teoria, a construção dele é menos complexa do que a do VLS. A crítica mais frequente ao VLM é que ele poderá enfrentar desafios no mercado espacial, considerando que pequenos satélites são frequentemente lançados como cargas secundárias em foguetes maiores.

Além disso, empresas privadas como SpaceX e Arianespace já se estabeleceram com a estratégia de aproveitar uma única missão para lançar dezenas de satélites ao espaço. Ou seja, o Brasil terá a difícil missão de conquistar possíveis clientes, isso é claro, se o VLM ao menos vier a ser qualificado para voo.

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